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ENTREVISTA / MARCOS TROYJO*

Sinais de uma nova abertura

* O economista e cientista político Marcos Troyjo foi anunciado no final de novembro como o futuro secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do novo Ministério da Economia, no próximo governo.
Troyjo é um participante assíduo dos debates a respeito da inserção econômica e comercial do Brasil na economia mundial e falou à Revista PIB, no segundo semestre de 2017, sobre as tendências da globalização. Leia a seguir a íntegra da entrevista.

Publicado em 10 de dezembro de 2018, 20:13:24

                                                                                                                                    fotos Mário Miranda

Diretor do BRICLab da Universidade Columbia, em Nova York — um fórum sobre os grandes países emergentes agrupados na sigla BRICS — Marcos Troyjo é professor, conferencista e autor de livros e artigos de imprensa que buscam realçar as ligações entre política, economia, tecnologia e empreendedorismo.

Tem formação de diplomata, no Instituto Rio Branco, e em Sociologia das Relações Internacionais na USP, em Columbia e outras universidades. Nesta entrevista à PIB, ele analisa os percalços enfrentados pelo processo de globalização desde a crise de 2008, as evidências da desglobalização e os indícios de uma reglobalização que retomaria, em outros termos, o caminho de um mundo mais conectado e aberto.

Comenta, ainda, a emergência da China como protagonista global e as oportunidades e os desafios postos diante do Brasil neste momento. Para Troyjo, a globalização perdeu força e velocidade desde 2008, mas a expansão da China e os interesses dos Estados Unidos pós-Trump poderão dar novo impulso ao processo.

O que está acontecendo com a globalização?
Com a crise de 2008 e sua crise gêmea de 2011, das dívidas soberanas na Europa, o processo de globalização passou pelo que se pode chamar de um cavalo de pau.

Durante um longo período da história recente — que se inicia em 1989, pelo desmantelamento do muro de Berlim, e se conclui na grande recessão em 2008 — vivemos uma época de globalização profunda e de muita fé no livre mercado como principal critério para a geração de prosperidade; predominava a ideia de que a democracia representativa se encontrava em expansão e de que a tecnologia encurtava distâncias.

A integração regional econômica, política e jurídica era vista como uma escala numa viagem em direção a um mundo menos nacionalista e mais globalizado. O exemplo da União Europeia é bastante claro. A integração não se dava apenas no âmbito da economia — com o euro, a partir de 1999, como moeda comum —, mas também com políticas agrícola e externa comuns e com a criação de um Tribunal e de um Parlamento europeus.

Outras regiões do mundo pareciam querer clonar essa experiência, como é o caso do Mercosul. Todos esses processos compunham o quadro que eu chamo de globalização profunda.

O senhor vem apontando os sinais de uma mudança nesse consenso. Estamos vivendo uma desglobalização?
Temos de entender esse processo não como o fim da globalização, mas sim como uma perda da velocidade e uma redefinição de rumos. É uma desaceleração, o que não significa que o veículo parou de se mover.

Quais são os sinais dessa desaceleração?
A desglobalização tem alguns traços marcantes. Por exemplo, de 2008 para cá, o comércio internacional, que foi um dos grandes propulsores da riqueza desde o final da Segunda Guerra Mundial, está se expandindo em proporção inferior à do PIB mundial.

A economia mundial cresce mais do que o comércio, uma coisa raríssima nesses últimos 70 anos. Não se esqueça de que o comércio foi o trampolim para a mudança de status de países como a China, o Chile, a Coreia do Sul, ou o Japão e a Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial.

                                                                                                                                            Divulgação

Nesse quadro, com o comércio em baixa, o crescimento das economias passou a ser sustentado de que maneira?
Estão sendo adotadas mais medidas protecionistas, além de um redirecionamento de estratégias, como a decisão da China de se tornar menos dependente das exportações e mais do mercado interno, no papel de mola do crescimento. Isso se faz porque os chineses estão encontrando mais resistência à absorção dos seus produtos.

O modelo chinês é bastante claro; eles ganharam acesso privilegiado aos mercados compradores do mundo, no fim dos anos 1970, como parte de acordos que fizeram com os Estados Unidos. A China recebeu o status de nação mais favorecida em suas exportações, primeiro para os Estados Unidos e logo para a Europa.

Como os custos de produção na China eram muito baixos — continuam a ser, em certo sentido —, o país se tornou uma bomba de sucção de investimentos estrangeiros diretos. As empresas montavam manufaturas na China não para buscar o mercado local, mas para transformar o país numa gigantesca plataforma de exportações. É o segredo do crescimento chinês.

Foram os efeitos da dupla crise, então, que puseram em xeque esse modelo?
A minha impressão é de que, se não tivessem ocorrido 2008 e 2011, os chineses continuariam nessa batida que foi muito boa para eles — manter o superávit comercial, a robustez das exportações como o grande colchão para a formação de poupança e para o investimento.

O que os faz mudar qualitativamente a estratégia de crescimento, com um pouco mais de uso do mercado interno, é também o fato de que, com a crise, os países de destino se tornaram menos receptivos às exportações chinesas. A China, por consequência, é forçada a aumentar a remuneração do fator trabalho — a fatia que os salários ocupam no PIB —, para que o consumo interno também se torne um veícuo importante do crescimento.

Há outros fatores em jogo nesses processos desglobalizantes?
Você tem, de um lado, essas características econômicas: restrições a investimentos, mais políticas de conteúdo local — não só de países tradicionalmente protecionistas como o Brasil ou a Argentina, mas também dos Estados Unidos, China e Europa. São forças pró-desglobalização.

E há, ainda, os aspectos culturais e políticos: uma grande reação à imigração e às sociedades multiétnicas, que acabou desembocando não só na vitória de Trump nos Estados Unidos, mas no Brexit e no aumento da intolerância em diferentes partes do mundo. É a tudo isso que eu chamo desglobalização.

                                                                                           Wikimedia Commons/ Gage Skidmore

Já se podem identificar sinais de reação a esse fechamento? Quais seriam?
Um deles tem a ver com o fato de que entendo o período Trump como uma exceção, algo bizarro. É do interesse das empresas americanas manter uma presença global importante, e acho que os Estados Unidos vão voltar a liderar o processo daqui a uns três anos e meio, ao buscar se reinserir na globalização.

Outro sinal são as próprias características de expansão do atual momento da China. Acredito, então, que uma nova arquitetura impulsionada pelos Estados Unidos e a extroversão chinesa vão marcar esse novo período da economia mundial, que será a reglobalização.

Isso já começa a acontecer?
Estamos caminhando para lá. Não é que a gente vá trilhar uma volta à globalização profunda nos próximos anos; mas acho que países como o Brasil devem se preparar não para o cenário protecionista, fechado, e sim para a reglobalização, tendo em mente os riscos e as oportunidades que ela oferece. E ela não vai acontecer já, acredito que será mais ou menos contemporânea ao fim do mandato de Trump.

Em que essa retomada seria diferente do primeiro impulso de globalização?
Um dos traços da reglobalização vai ser a volta ao que foi o espírito do Tratado da Parceria Transpacífico, o famoso TPP.

Ao contrário de acordos comerciais e de investimentos anteriores, que se centraram nos temas de tarifas, alíquotas e cotas, o TPP é um acordo sobre padrões, standards. Ele diz: nós, signatários deste texto, topamos jogar pelas mesmas regras quando o tema é legislação trabalhista — você estabelece um padrão único e os países têm de se adaptar a ele.

Também aceitamos jogar as mesmas regras do jogo na legislação ambiental e com respeito à propriedade intelectual; ou ainda como utilizar compras governamentais como instrumento de política industrial. Você cria padrões. É no estabelecimento desses padrões que está o futuro da reglobalização — a meu ver, liderada pelos Estados Unidos pós-Trump.

Há um fundo político nessa ênfase em padrões comuns?
Uma das maneiras de combater a hipercompetitividade chinesa é ganhar escala; é outros países se unirem em áreas nas quais a China teria dificuldades.

Para a China, é difícil se associar a tratados cujos pilares são as leis trabalhistas e ambientais, as compras governamentais e o respeito à propriedade intelectual, que os chineses notoriamente desrespeitam — aliás, muita gente acha que o TPP nada mais era do que um instrumento geopolítico para combater a ascensão da China.

De qualquer maneira, acho que esse tipo de acordo vai ser um dos pilares da reglobalização. É algo que não estava presente no modelo anterior da globalização profunda.

                                                                                                                  Beto Barata/Agência Brasil

Mas a China, de toda forma, vai ter um papel mais forte, com iniciativas como o projeto One Belt One Road?
Você tem razão; a reglobalização será, em parte, o resultado do projeto de expansão da China, que na minha opinião vai se dar de três formas. Até agora, a China tem sido um gigante comercial e um anão em outras áreas econômicas internacionais, como os investimentos, o financiamento do desenvolvimento e o estabelecimento de instituições multilaterais.

Tudo isso está mudando. Em primeiro lugar, a China está reequilibrando o seu perfil externo. Continua como principal nação comerciante no mundo, mas se tornou origem importante de investimentos estrangeiros diretos e, além disso, passou a ser uma financiadora do desenvolvimento.

Hoje, o banco de desenvolvimento chinês tem mais que o dobro de capitais alocados em países para projetos de infraestrutura do que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento juntos. Se você olhar os passivos de países latino-americanos, como Equador e Venezuela, eles têm grandes contas a pagar para a China.

Ou seja, a China, hoje, não é só plataforma de exportações, mas sim uma grande fornecedora de liquidez ao mundo, na forma de dinheiro para infraestrutura ou para financiamento.

Aqui, no Brasil, os investimentos chineses para a aquisição de empresas já se tornaram os maiores entre os investidores estrangeiros, não é?
Claro, e vamos lembrar que essa moeda tem dois lados: há projetos greenfield, que podem ser tirados do papel pelo investimento chinês, e o mais notório é a famosa ferrovia bioceânica.

Os chineses estão prontos para fazer um comprometimento, mas é um projeto multinacional e vai depender da definição do traçado, que envolve pelo menos três países: Brasil, Bolívia e Chile, ou Brasil, Peru e Colômbia, por exemplo. Há muito apetite chinês para esse tipo de coisa.

E tem o investimento de concessões e privatizações, nos quais eles também estão muito interessados. Aliás, falei que a moeda tem dois lados, mas tem ainda outro: esse impressionante apetite chinês para a compra de empresas brasileiras, o lado de fusões e aquisições.

Como fica o terceiro aspecto da reglobalização via China, além do investimento direto e dos créditos para o desenvolvimento?
Os chineses estão construindo sua própria família de instituições multilaterais. Criaram esse banco asiático de investimento em infraestrutura, o Novo Banco de Desenvolvimento. Apesar de todos os Brics terem nominalmente a mesma composição na instituição, sabemos que a China é o principal ator.

Tem ainda o programa One Belt, One Road [de investimento em infraestrutura e aproximação diplomática com os países que compartilham as rotas comerciais chinesas]. Ou seja, a China está se convertendo em uma superpotência econômica para além do comércio, como uma característica dessa nova fase. Acho que o conjunto dessas três coisas aponta para o fenômeno da reglobalização.

Nesse novo quadro, os BRICS conseguem manter posições conjuntas?
Os BRICS 2.0 — seu momento atual, além do conceito inicial sugerido por Jim O’Neill, do Goldman Sachs — podem ser definidos como um prédio com cinco moradores: um é músico, outro advogado, outro cirurgião-dentista, o quarto é contador e o quinto, ator de cinema.

Cada um tem um interesse diferente, mas todos querem as áreas comuns limpas, uma portaria que funcione, os elevadores em boa condição, que o entorno tenha segurança… Então, nos pontos em que os interesses coincidem — e para os BRICS, o principal é o financiamento do desenvolvimento —, a aliança vai avançar.

Em outros, não vai avançar: por exemplo, na área político-militar, em que chineses e indianos têm conflitos de fronteiras, ou em direitos humanos — nada mais diferente do que China e Brasil. Então, há limites para que a aliança funcione em aspectos que não o da economia.

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Quais as oportunidades para as empresas brasileiras globalizadas neste momento?
Vejo com dificuldade empresas brasileiras participando de projetos importantes de infraestrutura internacional nos próximos cinco anos. É um momento mais de retração.

Houve uma tentativa de internacionalização forçada, derivada desta fase do capitalismo de Estado brasileiro: muito financiamento do BNDES para expansão externa, o que criou, como sabemos, esse ecossistema de favorecimento de corrupção que está implodindo a olhos vistos.

Obviamente, isso tem efeitos colaterais; o Brasil está se retraindo, ao contrário de se expandir internacionalmente. Vai demorar bastante tempo para que, em determinadas áreas, como a construção civil, a gente possa vir a ter expressão maior. O Brasil ficou com mau nome nessa área. Não apenas perdeu negócios, mas também perdeu reputação.

Mas para além do mau momento a ser superado, que aberturas existem?
Há grandes oportunidades em áreas em que o Brasil tem vantagens comparativas, como alimentos, commodities agrícolas e matérias-primas minerais.

Um dos efeitos colaterais da expansão da China é a migração de parte importante do PIB industrial chinês para países da sua região. Você vê a manufatura crescer na Indonésia, no Vietnã, na Índia, e isso está elevando a renda per capita na vizinhança geoeconômica chinesa.

Quando o PIB cresce a partir de patamares muito baixos — 5% ou 6% ao ano, todo ano, por 10 anos —, o que acontece com a renda incremental, a porção que é acrescida? Você gasta essa renda comendo mais, aumentando sua ingestão de calorias, entre outras coisas.

Isso significa uma oportunidade, um vento de cauda para as exportações do Brasil. Vejo aberturas importantes para a internacionalização via exportações desse complexo agrário, agroalimentar e mineral.

E em outros setores?
No resto, o Brasil vai ter muita dificuldade de competir em custo. Então, as reformas são absolutamente essenciais para que o custo de produzir no Brasil possa decrescer. Quando isso acontecer, ganharemos mais competitividade, o que vai nos permitir internacionalizar mais.

Fora isso, é o momento de utilizar o bom cenário internacional para fazer caixa com exportações nos setores tradicionais, promover reformas para o país se tornar mais ágil e menos custoso, e tirar vantagem dessa grande liquidez que há no mundo para turbinar a infraestrutura no Brasil.

Esta entrevista foi publicada nas páginas 18 a 21 da edição n° 37 da Revista PIB, de ago/set/out de 2017.

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