INOVAÇÃO

Quem sai para o mundo,
briga melhor

As empresas brasileiras que se internacionalizam são também as que mais inovam, estimuladas pela competição global

Dario Palhares*
Publicado em 22 de julho de 2018, 15:50:50

Projeto S11D: a mina “móvel” da Vale   Divulgação

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Esta reportagem é composta de seis partes. Leia os demais textos nos links abaixo:

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Luiz Donaduzzi, o farmacêutico e empresário que toca pesquisas de ponta em seu laboratório no Paraná — o Prati Donaduzzi —, tem uma fórmula pronta para turbinar a inovação brasileira. “O Brasil tem muito a aprender com outras nações emergentes, em particular com a China e a Coreia do Sul, que se firmaram em diversos segmentos do mercado internacional graças a investimentos maciços em pesquisa e desenvolvimento”.

São justamente as empresas brasileiras que estenderam suas ambições para fora das fronteiras as que mais se destacam atualmente na área da inovação, movidas pela necessidade de competir com quem investe pesado em pesquisa e desenvolvimento. Sexta colocada no ranking nacional de pedidos de patentes entre 2013 e 2016, a Petrobras, presente em quatro continentes, foi das primeiras a fazer a lição de casa e colhe os frutos do bom desempenho, com uma sólida reputação global na exploração de poços de petróleo em grandes profundidades.

O ponto inicial desta trajetória foi a descoberta, em 1984, dos campos gigantes de Marlim e Albacora, na Bacia de Campos, a 1.000 metros de profundidade. “Criamos aí um programa especialmente dedicado a desenvolver as tecnologias necessárias para colocar aqueles campos em produção”, diz Joper Andrade, gerente executivo do centro de pesquisas e desenvolvimento da Petrobras.

Dez anos mais tarde, em abril de 1994, entrava em operação o poço Marlim 4, o primeiro do planeta a extrair petróleo abaixo de 1.000 metros do nível do mar. O próximo foi Roncador, a 1.730 metros, e partir daí o mundo se abriu – muito auxiliado pelo sinal verde dos Estados Unidos, no início desta década, para o uso da tecnologia da Petrobras na exploração dos campos de Chinook e Cascade, no golfo do México, 2.500 metros abaixo do nível do mar.

Apesar da crise interna vivida pela empresa desde a explosão do escândalo da Lava-Jato, seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento continuam expressivos, somando 6,4 bilhões de reais nos últimos três anos. Detentora de cerca de 930 patentes no Brasil e mais de 1.400 no exterior, a Petrobras reúne 460 bacharéis, 281 mestres e 195 PhDs no Cenpes, o seu centro principal de pesquisas no Rio de Janeiro (possui mais seis menores, em outros estados).

Um bom exemplo de como a tecnologia pode aumentar a eficiência de uma empresa pode ser constatado na exploração do pré-sal na Bacia de Santos. Até 2010, o tempo médio para construção de um poço marítimo na região era de, aproximadamente, 310 dias. Com o avanço do conhecimento e eficiência, esse tempo baixou para 128 dias em 2015. No ano seguinte, caiu para 89 dias.

O foco das pesquisas sobre inovação agora é viabilizar a extração de petróleo do pré-sal, a estonteantes 5.000 metros de profundidade. “Nosso maior desafio atualmente é produzir muito a custo baixo, no cenário de queda dos preços do petróleo”, diz Andrade. “Estamos desenvolvendo novos sistemas de dutos de coleta submarinos e soluções para a construção de poços e concebendo sistemas de separação e injeção de CO2 que não comprometam o meio ambiente”.

Whirlpool/Embraco: compressores sem óleo para refrigeração   Divulgação

Na Vale, que nasceu estatal, foi privatizada em 1997 e se transformou em um gigante global de extração de minérios, o Centro de Desenvolvimento Mineral (CDM), em Santa Luzia (MG), conta com uma equipe de cem pesquisadores, dois quais 20 mestres e dez doutores, e orçamento de 15 milhões de dólares ao ano.

Ao longo de meio século de existência, acumulou 450 patentes e injetou o vírus da criatividade no organismo da empresa, que atualmente opera outros quatro polos de inovação, sendo um deles no Canadá – o Vale Technology Development Ltda., um laboratório centenário, referência em pesquisas sobre níquel, que ela “herdou” ao adquirir a canadense Inco, em 2006.

Entre os feitos dos centros de pesquisa da Vale está a invenção de um método de beneficiamento de minério de ferro sem a utilização de água, dispensando a necessidade de barragens de rejeitos como a de Mariana (MG), cujo rompimento em 2015 resultou em uma catástrofe humana e ambiental que repercute até hoje.

Outra comprovação do ímpeto inovador da multinacional é a introdução de esteiras na operação do recém-inaugurado projeto S11D, o maior empreendimento de extração de minério de ferro já montado no mundo, em Canaã dos Carajás, no Pará. “O minério vai da lavra para a usina de beneficiamento através das esteiras. Com isso eliminamos os caminhões e agilizamos o processo”, ressalta Fabiano Tonucci, gerente de propriedade de intelectual e inteligência tecnológica da empresa.

No total, a Vale obteve 6.883 patentes de 1.590 “famílias” de inventos em 111 países, das quais 1.004 permanecem ativas em 61 nações. As demais prescreveram ao vencerem os vinte anos máximos de direitos de propriedade intelectual e também devido a um enxugamento do portfólio, que resultou na liberação para domínio público de dezenas de inventos. “A racionalização teve início nesta década e prevê também o licenciamento de toda tecnologia que não seja estratégica para o negócio”, diz Tonucci.

A empresa que mais registrou patentes no Inpi entre 2013 e 2016 não é brasileira – trata-se da americana Whirlpool, que aparece na lista por ter comprado a Embraco, outro poderoso motor de inovação impulsionado pela competição internacional. Com fábricas no México, China, Itália e Eslováquia, além do Brasil, a líder mundial na produção de compressores para refrigeração apresentou seu primeiro pedido de patente no Inpi – uma tecnologia para a redução do aquecimento do gás nos compressores – em 1983 e não parou mais, sobretudo a partir de 1987, quando criou o primeiro compressor do planeta a usar gases refrigerantes alternativos e dispensar o CFC, que causa sérios danos à camada de ozônio.

“Ter tecnologias próprias significava liberdade para explorar o mercado mundial e permitir o crescimento da empresa. Foi naquela época que decidimos criar uma estrutura para proteger nossas criações”, comenta o vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento e novos negócios Eduardo Andrade. “Hoje, contamos com cerca de 1.700 patentes vigentes no Brasil e no mundo.”

 

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O esforço de pesquisa e desenvolvimento das empresas brasileiras preocupadas em inovar vai além do aprimoramento e da concepção de produtos. Faz sucesso entre elas o conceito de inovação aberta, que consiste em levar propostas e técnicas para debate com universidades, startups, consultorias e institutos de pesquisa, e o Scrum, um software de metodologia de gestão que reduz pela metade o cronograma de lançamento de produtos por meio da integração de equipes de trabalho.

“Também somos adeptos do design thinking, que testa soluções por intermédio da geração de protótipos e interações com usuários”, explica Andrade, da Embraco. Participante tardia do sistema de patenteamento de tecnologia, a catarinense WEG, fabricante de motores e equipamentos elétricos, tem voltado suas pesquisas para a chamada internet das coisas – a comunicação de máquina com máquina – como forma de monitorar equipamentos à distância.

A exemplo da Embraco, a WEG fez da inovação o carro-chefe de sua estratégia de conquista do mercado externo. Com fábricas em 12 países, seu principal centro de desenvolvimento está instalado na matriz, em Jaraguá do Sul (SC), mas cada linha de produção tem sua própria equipe de pesquisadores.

“Só no Brasil contamos com 720 engenheiros voltados em tempo integral ao desenvolvimento de produtos e tecnologias, além de outros 500 que se dedicam à atividade de forma parcial. Os dois grupos reúnem, respectivamente,126 mestres e 40 doutores“, enumera Milton Castella, diretor de pesquisa e inovação tecnológica.

Um de seus projetos mais recentes, assinado em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina e apresentado no ano passado, é o primeiro ônibus elétrico movido a energia solar do Brasil. “Várias tecnologias embutidas nele, como o sistema de acionamento e as estações de recarga, foram totalmente desenvolvidas por nós”, orgulha-se Castella.

Do lado de fora do seleto grupo de empresas com forte atuação no exterior, porém, a inovação continua no pé das prioridades das companhias do Brasil – o que é uma pena. No exterior, as patentes são dominadas por indústrias.

Na Alemanha, quinta colocada no ranking global da World Intellectual Property Organization (WIPO), com 175.057 pedidos apresentados em todo o mundo em 2015, dos 20 maiores solicitantes de patentes dentro do país só dois não são empresas privadas.

A número 1 é a Bosch, com 3.693 requisições, seguida pela Schaeffler (2.316), a Daimler (1.946) e a Ford (1.790). Em contrapartida, as universidades alemãs, juntas, somam 670 pedidos.

O protagonismo das corporações na proteção à propriedade intelectual e industrial também é regra nas duas maiores economias do mundo, China e Estados Unidos.

Na China, campeã da WIPO, o maior número de pedidos de patentes vem dos setores de tecnologia e petróleo e as duas empresas que mais apresentaram requisições em 2016 foram a Huawei Technologies (4.906) e a China Petroleum & Chemical Corporation(4.405).

Nos Estados Unidos, a IBM lidera, com 8.023 pedidos – quase 85% a mais que todas as empresas brasileiras juntas –, seguida pela Samsung (5.504). O Brasil está em 25o lugar no ranking de pedidos de patentes da WIPO em 2015, com 6.554 solicitações.

Ônibus elétrico a energia solar: parceria entre WEG e UFSC   Divulgação

A posição das empresas brasileiras no mundo da inovação parece ruim, e é mesmo, mas já foi muito pior. A Lei de Patentes, instrumento fundamental para incentivar empresas a investir na área, uma vez que resguarda seu direito sobre a inovação gerada, entrou em vigor só em 1997. Seguiu-se a ela outro instrumento importante, a Lei da Inovação, em 2004, que estabeleceu os parâmetros para a transferência de tecnologia.

O sucesso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, hoje uma referência mundial em seu ramo, impulsionou a formação, há quatro anos, de seu espelho industrial, a Embrapii, empenhada em promover a aproximação e intercâmbio entre centros de pesquisa tecnológica e empresas.

Um movimento decisivo surgiu em 2013 com a criação da rede nacional dos 25 Institutos Senai de Inovação – iniciativa que mobiliza recursos de 1 bilhão de reais para promover a pesquisa aplicada e o uso do conhecimento com o fim de gerar produtos inovadores e fazer frente aos desafios de uma época em que se antevê a Indústria 4.0.

A rede de centros de P&D – 21 já operam plenamente e os quatro restantes serão abertos até o final deste ano – é iniciativa de um grupo de 200 executivos das principais empresas industriais do país sob a coordenação da Confederação Nacional da Indústria. De lá para cá, já entregou mais de cem produtos e processos inovadores, entre os quais tintas cicatrizantes para veículos e esmaltes de unha; um robô que inspeciona dutos de exploração de petróleo e implantes de titânio personalizados para reconstrução facial feitos com impressoras 3D.

“Ninguém inova sozinho”, diz Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai. “A rede de Institutos SENAI de Inovação é um parceiro fundamental para a indústria ser mais competitiva e se inserir na quarta revolução industrial.” Todas estas iniciativas criaram um ambiente mais favorável aos investimentos em pesquisa. Petrobrás e Vale puseram lenha na fogueira, a competição internacional se intensificou e o resultado disso tudo é uma sacudida na pasmaceira das empresas.

Quanto mais elas avançarem no ranking de registros de patentes do Inpi, inclusive através de parcerias com as campeãs históricas, as universidades, mais a indústria como um todo ganhará ferramentas para competir dentro e fora do país. E o Brasil será uma nação mais moderna, o que é bom para todo mundo.

* Colaboraram Adriana Teixeira e Lízia Bydlowski

Uma versão deste texto foi publicada entre as páginas 24 e 35 do número 38 da Revista PIB, de nov/dez/2017 e jan/2018, como parte final da matéria de capa “É hora de inovar”

Leia a seguir:

Idéias que valem patentes

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