INOVAÇÃO

O jogo começa a virar

Na contramão do mundo, as universidades brasileiras registram mais patentes do que o setor produtivo. Mas esse quadro está mudando com parcerias bem-sucedidas

Dario Palhares*
Publicado em 20 de julho de 2018, 17:57:06

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Esta reportagem é composta de seis partes. Leia os demais textos nos links abaixo:

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Inovar é o verbo mais conjugado pelas empresas, quando querem falar de qualidade, desempenho e expectativas. De fato, no mundo de hoje, crescer e, principalmente, se internacionalizar exigem inovação constante. No Brasil, porém, inovar, no mundo empresarial, aparece mais na retórica do que na prática. Ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, quem de fato comanda a inovação no país são as universidades, de longe as campeãs em registros de patentes nacionais, sobretudo as estaduais paulistas e as federais.

Segundo dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), entre os vinte maiores solicitantes de patentes de invenções entre 2013 e 2016 a imensa maioria – 15 – desenvolveu seu projeto com recursos públicos, no meio acadêmico. Só cinco instituições são particulares. Uma é um centro de pesquisa em período integral, o CPqD, voltado para as telecomunicações e situado em Campinas (SP). As outras quatro são empresas: a americana Whirlpool, a alemã Mahle e as brasileiras Petrobras e Vale – não por acaso, todas com intensa atuação global.

“Algumas companhias do país são extremamente inovadoras”, admite Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), conhecido crítico da timidez com que as empresas brasileiras decidem seus investimentos em pesquisa. “Isso ocorre porque elas estão conectadas com o mercado externo, onde têm de competir com as melhores do mundo.” Ou inovam ou enfrentam a possibilidade concreta de ser esmagadas por concorrentes mais ágeis.

O mesmo Inpi acaba de divulgar os resultados para 2017, em tom de comemoração: recebeu 6.250 pedidos de patentes, 30% a mais que no ano anterior e o maior total desde 2000. No ranking dos mais atuantes na solicitação de patentes no instituto, a campeã disparada é a Whirlpool, com 319 pedidos (ver quadro). Mas as posições seguintes são ocupadas por entidades de ensino capazes de gerar ideias que já se tornaram produtos ou tecnologias disponíveis no mercado. A Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se revezam no segundo e terceiro lugares da lista, com uma média de 60 pedidos por ano.

Outras quatro instituições de ensino superior figuram entre os dez maiores solicitantes de patentes: são as federais do Paraná (UFPR), do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Ceará (UFC) e a estadual paulista Unesp. E um segundo pelotão evidencia a existência de um novo e atuante polo de inovação no Nordeste, ao incluir quatro universidades federais da região, da Bahia (UFBA), do Rio Grande do Norte (UFRN), de Pernambuco (UFPE) e de Sergipe (UFS) .

IPT, Poli e Gerdau: parceria e pedido de patente depositado em 11 países   Divulgação

Segunda colocada no ranking do INPI entre 2013 e 2016, a USP tem registrados 1.161 pedidos e obteve 150 concessões até dezembro de 2016. Oitocentas solicitações continuam em análise e 176 transcorrem sob sigilo. No exterior, são 146 as patentes já concedidas à universidade. A Escola Politécnica concentra o maior número de requisições, 180, seguida pelo Instituto de Química, com 120. “A maior parte das solicitações de pedidos de proteção de propriedades intelectuais vem das áreas de engenharia, química, física, medicina e ciências farmacêuticas”, diz o professor Eduardo Vieira de Brito, responsável pela Agência USP de Inovação (Auspin) no campus de São Carlos, no interior de São Paulo.

É papel das escolas superiores se debruçar sobre pesquisas e descobertas que promovam o avanço em suas áreas. Mas a indústria tem função crucial a cumprir no aprimoramento constante de seus produtos, um conceito que as empresas brasileiras custaram a apreender, acomodadas pelas décadas em que atenderam quase que exclusivamente ao mercado interno com cópias, adaptações e produtos defasados tecnologicamente.

“A presença de universidades entre os maiores geradores de patentes no Brasil demonstra uma fraqueza do setor empresarial. O que move a inovação é a competição, mas, como a economia local ainda é muito fechada, as companhias orientam suas atividades para objetivos pouco inovadores”, avalia Brito Cruz, da Fapesp.

Quem põe a mão na massa empresarial concorda. “Historicamente, os empresários brasileiros não investem em laboratórios e tampouco contratam mestres e doutores para realizar pesquisas. Muitos deles, por incrível que pareça, ainda criticam o trabalho de investigação científica realizado pelas universidades”, alfineta Luiz Donaduzzi, sócio do laboratório Prati Donaduzzi e doutor em farmácia pelo Instituto Nacional Politécnico de Lorraine (INPL), na França.

Embora o muro que separa universidades e empresas na área da inovação continue de pé no Brasil, buracos vêm sendo abertos com frequência cada vez maior, permitindo que as duas frentes se mesclem, com excelentes resultados. Na própria USP, 5% dos recursos que financiam pesquisas vêm atualmente de empresas. Na Unesp são 6%; na Unicamp, 7%. “Não está muito fora dos padrões dos Estados Unidos, onde 12 universidades estão acima dos 12% e 500 ficam abaixo”, observa Brito Cruz, o diretor científico da Fapesp.

A Agência USP de Inovação analisa a cada ano 150 novas propostas de pesquisa em parceria com empresas. “Tomamos várias iniciativas para conscientizar os pesquisadores de que contribuir com a inovação no país não é opção, é obrigação”, diz o professor Vanderlei Bagnato, coordenador da Auspin. Uma parceria recente firmada pela agência com a Natura resultou na criação do Centro de Pesquisa em Bem-Estar e Comportamento Humano, instalado no Instituto de Psicologia. Outra, com a Shell, criou o Centro de Pesquisa para Inovação em Gás Natural, situado na Poli, com 174 pesquisadores e orçamento de 110 milhões de reais nos primeiros cinco anos de operação.

Outra parceria envolvendo a Poli foi capitaneada pelo IPT – Instituto de Pesquisa Tecnológica do estado de São Paulo – e a Gerdau, a maior produtora de aços longos das Américas. Até a década de 90, as atualizações tecnológicas na área de cilindros de laminação da empresa provinham basicamente da aquisição de tecnologia de terceiros. Quando isso deixou de fazer sentido, a Gerdau partiu para outra solução. Um dos objetivos era desenvolver soluções próprias nas áreas de desgaste a quente e oxidação. Bem sucedida, a parceria com o IPI e a Poli resultou num pedido de patente de invenção depositado pela empresa em 11 países, entre os quais EUA, Suécia e China.

Inova Unicamp: mil patentes ativas no Brasil e no exterior   Divulgação

A aproximação entre academia e indústria é mais expressiva ainda na Unicamp, outra universidade estadual paulista que se destaca no ranking do Inpi. Sua agência, a Inova Unicamp, alcançou em julho a marca de 1.000 patentes ativas no Brasil e no exterior, das quais 125 licenciadas – a receita com royalties atingiu 660 mil reais em 2016.

“Nossas pesquisas contribuem em primeiro lugar para a formação de profissionais, que é a missão da universidade, mas depois são licenciadas para empresas”, assinala Newton Frateschi, diretor-executivo da Inova Unicamp. Nesta frente avançada, no Brasil, de parcerias entre universidade e setor privado no âmbito da pesquisa e desenvolvimento, no ano passado foram firmados 23 contratos de transferência de tecnologia e a Inova intermediou 26 dos 30 convênios acertados com indústrias, a maioria na área de petróleo.

O apoio ao empreendedorismo tem aproximado a Unicamp das necessidades do mercado. Uma pesquisa de 2016 contabilizou 434 empresas geradas dentro da universidade ou que contaram com a colaboração dela, um conjunto de negócios que resulta em 22 mil empregos e mais de 3 bilhões de reais em faturamento. “Formamos um ecossistema em que as empresas formadas com o nosso apoio ajudam as novas”, ressalta Frateschi.

Criada em 1976, o que faz dela a caçula entre as três universidades mantidas pelo governo paulista, a Unesp conta desde 2010 com um órgão encarregado de promover a criatividade de professores e pesquisadores e zelar pelos direitos intelectuais de seus trabalhos. Ao longo desse período, a Agência Unesp de Inovação (Auin) apresentou um total de 305 pedidos de patentes e obteve 20 concessões, das quais sete foram licenciadas.

“Notamos um aumento do interesse de empresas estrangeiras por nossas tecnologias e invenções. Essa demanda vem sendo incentivada, em boa parte, pela atuação de startups de ex-alunos no mercado internacional”, explica o analista de tecnologia Vitor Koop.

Também presente no alto do ranking de pedidos de patentes do Inpi, a Universidade Federal de Minas Gerais (885 solicitações no Brasil, 332 no exterior e 91 contratos de licenciamento) criou uma coordenadoria especialmente para lidar com a burocracia dos processos de registro de propriedade intelectual e cuidar do licenciamento de tecnologias desenvolvidas em seus laboratórios. “Entendemos que precisamos estar mais próximos do setor privado”, diz a coordenadora Juliana Crepalde. “Parcerias são valiosas para ambos os lados.”

* Colaboraram Adriana Teixeira e Lízia Bydlowski

Este texto foi publicado entre as páginas 24 e 35 do número 38 da Revista PIB, de nov/dez/2017 e jan/2018, como parte inicial da matéria de capa “É hora de inovar”

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