ARQUITETURA E DESIGN

O melhor prédio do
mundo é uma escola
no Tocantins

Projeto original de arquitetos jovens no município de Formoso do Araguaia ganha o Prêmio Internacional de 2018 do Real Instituto dos Arquitetos Britânicos

Armando Mendes
Publicado em 27 de novembro de 2018, 11:35:45

Escola de Canuanã: madeira pré-moldada, tijolos e ventilação natural    Rosenbaum + Aleph Zero, foto Leonardo Finotti

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Um campus universitário no centro histórico de Budapeste, uma escola de música em Tóquio e um arranha-céu residencial com jardins verticais em Milão também estavam no páreo — todos exemplos acabados da arquitetura urbana mais moderna feita no mundo.

Mas o Prêmio Internacional de 2018 do Real Instituto dos Arquitetos Britânicos (RIBA, na sigla em inglês) foi para uma remota escola rural em Formoso do Araguaia, no sul do estado do Tocantins — um projeto conjunto dos escritórios brasileiros Aleph Zero e Rosenbaum, feito com um pé na tradição local e outro na modernidade.

O prêmio internacional do RIBA é atribuído a cada dois anos e busca reconhecer o melhor novo edifício do mundo no biênio (o projeto Canuanã foi desenvolvido a partir de 2015 e inaugurado em 2017). Os critérios de julgamento são a excelência do desenho, a ambição arquitetônica e um impacto social significativo.

Pátio interno: espaços comuns para a convivência   Rosenbaum + Aleph Zero, foto Leonardo Finotti

Mais precisamente, o instituto dos arquitetos britânicos premiou as Moradias Infantis da fazenda-escola Canuanã, mantida pela Fundação Bradesco em Formoso do Araguaia. As novas moradias abrigam a população estudantil entre 13 e 18 anos de uma vasta região agrícola atendida pelo complexo.

A escola recebe, em regime de internato, estudantes vindos de povoados e fazendas distantes. O entorno do complexo, entre o Cerrado e a Amazônia, é uma grande planície cortada pelo rio Javaés, que corre ao lado da escola.

O que levou um júri internacional a escolher o projeto brasileiro entre os quatro finalistas? (por sua vez, selecionados em etapas sucessivas a partir de uma lista de 64 concorrentes do mundo todo).

A resposta combina um desenho arquitetônico original, materiais e processos construtivos próprios e adequados às condições locais, grande sensibilidade para os usos do espaço e o acervo cultural da região, e os cuidados com o impacto  ambiental e o conforto climático dos edifícios.

Pátio elevado: brincadeiras ao abrigo do tempo   Rosenbaum + Aleph Zero, foto Leonardo Finotti

A arquiteta Elizabeth Diller, do renomado escritório novaiorquino Diller Scofidio + Renfro, presidiu a banca de jurados. Os responsáveis pelo projeto de Canuanã são Gustavo Utrabo e Pedro Duschenes, do Aleph Zero — arquitetos ainda em início de carreira, na casa dos trinta e poucos anos — e Marcelo Rosenbaum e Adriana Benguela, pelo atelier Rosenbaum.

Os edifícios são construídos com madeira laminada colada (MLC) e tijolos de barro e cimento, sob um grande teto plano de metal sustentado pela estrutura de madeira pré-moldada. 

Ao abrigo da ampla cobertura inclinada, distribuem-se os dormitórios e outros ambientes delimitados por paredes de tijolos vazados, que facilitam a ventilação natural — são  espaços de leitura, pátios e varandas, redários e sala de TV.

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O projeto vencedor buscou combinar as práticas e os materiais tradicionais a uma visão arquitetônica contemporânea. Os arquitetos deixam claro que não quiseram tão somente repetir os saberes do passado ao projetar a escola de Canuanã, ainda que tenham aproveitado conscientemente materiais e técnicas construtivas locais.

“Olhar o passado, trabalhar no presente e construir para o futuro”, é como Gustavo Utrabo explica o que pretenderam fazer. Um exemplo dessa postura, para o arquiteto, é a “inteligência construtiva” aplicada no projeto.

Os elementos estruturais, mais leves, foram pré-fabricados em São Paulo por uma empresa especialista em madeira laminada e transportados para o local da construção, enquanto que os tijolos foram feitos lá mesmo, com a terra local misturada ao cimento.

Segundo o arquiteto, o processo permitiu que a montagem dos prédios fosse rápida, uma vez reunidas as diversas partes no canteiro de obras

Moradia estudantil: blocos para rapazes e moças   Rosenbaum + Aleph Zero, foto Leonardo Finotti

Os novos alojamentos são divididos em dois blocos idênticos, um para meninos e outro para meninas. Ao todo, abrigam 540 estudantes em grupos de seis por apartamento.

Foram os próprios alunos que preferiram partilhar seus espaços de habitação em grupos pequenos. O projeto foi iniciado por um período de imersão na vida da escola, com a finalidade de entender as noções culturais de uso do espaço dos usuários finais.

Em rodas de discussão, workshops e dinâmicas de grupo, arquitetos e designers ouviram as críticas dos estudantes, professores e funcionários aos prédios já existentes e recolheram sugestões para o desenho — um exemplo foi o pedido para não replicarem o modelo dos alojamentos antigos, de grandes dormitórios coletivos que negavam aos alunos qualquer privacidade ou toque individual.

Jardim interno: paisagismo cuidado…   Rosenbaum + Aleph Zero, foto Leonardo Finotti

Cuidados específicos foram dedicados ao conforto ambiental e à durabilidade dos materiais, bem como à facilidade de manutenção. Os prédios não têm ar condicionado, mas se mantêm arejados pelo sombreamento do teto amplo e pela ventilação natural circulando pelas paredes vazadas.

“Madeira não trabalha bem com água”, define Utrabo. Logo, foi preciso proteger das chuvas e da ação da água toda a madeira empregada na estrutura.

Mesmo os pilares esguios, que se apoiam no terreno, são desenhados para manter os elementos de madeira descolados do chão — as partes que penetram na terra são feitas de metal, de maneira a isolar a estrutura da umidade que sobe do solo.

…para criar recantos verdes nos prédios   Rosenbaum + Aleph Zero, foto Leonardo Finotti

Gustavo Utrabo e Pedro Duschenes são os mais jovens arquitetos brasileiros a serem premiados pelo Real Instituto dos Arquitetos Britânicos. Os sócios do Aleph Zero já tinham recebido este ano mais um prêmio do instituto britânico — o de arquitetos emergentes de 2018, igualmente pelo projeto de Canuanã.

Antes deles, Paulo Mendes da Rocha, em 2017, e Oscar Niemeyer, em 1998, receberam outro prêmio do RIBA: a medalha de ouro real, que reconhece uma obra de vida inteira.

Escadaria para o pátio no lado alto da cobertura    Rosenbaum + Aleph Zero, foto Leonardo Finotti

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