ECONOMIA DIGITAL

O consumidor informado

O rastreamento digital vai oferecer informações mais precisas sobre a origem e os impactos sociais e ambientais da produção de alimentos

Nely Caixeta e Armando Mendes

Publicado em 22 de janeiro de 2020, 15:30:56

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Etiqueta de produto da BRF: informações rastreadas para o consumidor   Divulgação

Do lado do consumidor, o que deve mudar com a agricultura 4.0? A digitalização no campo abre caminho para ganhos na qualidade do produto e na informação sobre sua produção. O consumidor poderá ter uma visão mais clara da origem e da trajetória dos alimentos ao longo da cadeia produtiva, o que lhe permitirá avaliar se foram produzidos de maneira sustentável, um passo largo para a indispensável rastreabilidade social e ambiental.

Os agrotóxicos aplicados em cultivos – um dos pontos mais polêmicos da agenda ambiental – poderão ser monitorados de maneira mais fina, por exemplo. Roberto Ignácio Betancourt, diretor do Departamento do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), prevê a possibilidade de calibrar a aplicação de fertilizantes e defensivos agrícolas planta a planta.

Hoje já é tecnicamente possível e economicamente viável usar uma taxa variável de aplicação de fertilizantes a intervalos de 3 metros ao longo das linhas de cultivo. Com o barateamento trazido pelo equipamento digital, estas parcelas vão se tornar cada vez menores. “Isso é um ganho não só em termos de redução de custos de produção, mas também de sustentabilidade ambiental”, diz Betancourt. “Vamos conseguir controlar pragas usando alguns gramas de um princípio ativo de inseticida por hectare e reduzir dez vezes a quantidade de produto químico usado.”

 

A DIGITALIZAÇÃO DO CAMPO ABRE CAMINHO  

PARA A RASTREABILIDADE DA 

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

 

 

A seu ver, mudanças como esta vão contribuir para aliviar a preocupação dos consumidores com os resíduos químicos nos alimentos. Este novo consumidor, mais exigente e informado, demanda um novo modelo de produção e distribuição agrícola, afirma Silvia Massruhá, da Embrapa Informática Agropecuária.

“Ele quer em primeiro lugar um alimento nutritivo e saudável; quer saber também de onde vêm os alimentos, a rastreabilidade”, ela diz. “As tecnologias digitais vão nos ajudar a transmitir credibilidade para esse consumidor.” Qual é a real posição do Brasil nesta nova revolução que se anuncia no campo? Ao contrário de revoluções tecnológicas anteriores, que chegaram ao país vindas de outros continentes, a virada da agricultura digital está sendo gestada também aqui dentro.

Sílvia, da Embrapa: a agricultura tropical pode levar o Brasil a uma nova inserção no mundo  Magda Cruciol/Divulgação

É uma oportunidade para não ser perdida: o Brasil sempre teve as condições naturais para se desenvolver como grande produtor agrícola, mas só nas últimas décadas conseguiu construir as instituições educacionais e científicas necessárias para poder participar desta nova revolução produtiva junto à vanguarda do conhecimento e da inovação.

Para Silvia Massruhá, trata-se de aproveitar a oportunidade para manter a pesquisa e a produção brasileiras na posição de destaque alcançada nos últimos 40 anos. “Podemos fomentar este mercado para que o Brasil continue com essa marca nos próximos anos”, diz ela. “Uma marca forte e de referência em agricultura tropical.”

Mais do que uma fonte de grandes negócios, a agricultura digital pode se tornar a matriz de um novo padrão de inserção do Brasil na economia global, acredita o pesquisador Ulisses Mello, diretor do Laboratório de Pesquisas da IBM no país. “Vejo a oportunidade de o Brasil se tornar uma economia de conhecimento”, ele diz – uma mudança ancorada nas agtechs com potencial para se internacionalizar.

“Você vê essas startups crescendo e prestando serviços; elas podem um dia ser grandes empresas globais, como as norueguesas que se tornaram companhias de serviços em óleo e gás”, prevê Mello. “Mesmo hoje não tendo mais muito petróleo, os noruegueses têm uma grande economia de conhecimento e serviços, uma competência. O brasileiro pode investir nisso e se dar muito bem.”

Herlon Oliveira, CEO da Agrusdata, uma agtech que implanta infraestrutura de Internet das Coisas, big data e inteligência artificial para o agronegócio, acredita que o complexo brasileiro de inovação para a agropecuária está bem situado para participar dessa nova corrida tecnológica.

Oliveira: “as soluções de que o mundo precisa podem nascer aqui”.  Divulgação

Oliveira, cuja startup é residente no habitat do inovabra, em São Paulo, acredita que a inovação brasileira pode concorrer globalmente nos mercados que estão sendo criados pela agricultura 4.0 – uma posição em que o país nunca esteve em corridas tecnológicas do passado, como as das indústrias automobilística e aeronáutica. Para ele, o Brasil tem todas as condições intelectuais para isso a partir do conhecimento de alto nível que se produz no país sobre o tema.

“O que a gente precisa fazer é pegar esse conhecimento e falar: as empresas de tecnologia que vão oferecer as soluções de que o mundo precisa podem nascer aqui”, diz Oliveira. “É preciso criar produtos de impacto, que possamos exportar como serviços.” A primeira revolução no campo, iniciada nos anos 70, em 30 anos deu frutos transformadores. A segunda, em curso diante dos olhos de todos, graças à inovação e à tecnologia digital, poderá em menos tempo dar frutos ainda mais espetaculares.

Este texto foi publicado nas páginas 24 e 25 do número 39 da Revista PIB, de dez/2010 e jan/2020, como parte da matéria de capa Revolução Verde 4.0.

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