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ENTREVISTA / MARIANA VASCONCELOS

“Falta mostrar que o Brasil produz inovação agrícola”

Como uma jovem inquieta, filha de um produtor de Minas, criou a Agrosmart, uma estrela entre as startups brasileiras

Publicado em 18 de janeiro de 2020, 14:01:27

Fotos: Divulgação

Miúda, sorridente, de agasalho esportivo e mochila às costas, Mariana Vasconcelos se mistura sem esforço aos programadores e criadores de startups que circulam pelos andares do inovabra habitat, o hub digital do Bradesco em São Paulo. Mas ela não é só uma a mais entre tantos empreendedores jovens.

A Agrosmart – agtech que criou em 2014 com os sócios Raphael Pizzi e Thales Nicoleti – é uma estrela entre as startups brasileiras do mundo agro: em cinco anos, ganhou clientes em dez países (Brasil incluído) e chamou a atenção de investidores e de ícones tecnológicos como NASA e Google. Mariana tem 27 anos, é mineira e cursou administração de empresas na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) — um campus de tecnologia onde a gestão vem com uma pegada técnica, o que, diz ela, foi decisivo para o desenvolvimento da startup.

A Agrosmart usa sensores em rede e imagens de satélites para coletar dados que vão, depois de mastigados e digeridos por algoritmos, orientar os produtores rurais em suas decisões de plantio, irrigação, combate a doenças e outras mais – com economia de até 60% da água usada nos cultivos. No fim de um dia de reuniões no inovabra habitat, Mariana falou à PIB.

Seu pai e seu irmão são pequenos produtores rurais. Você começou a Agrosmart pensando em soluções para a sua família?
Com a Agrosmart, sim. Mas, antes, nós, os fundadores, tivemos outros empreendimentos em que experimentamos conectar sensores à internet. Somos uma das primeiras empresas que começaram a linkar o sensor online em projetos de descontaminação ambiental e petróleo e gás, áreas que na universidade eram muito fortes.

E por que passaram a olhar para o campo?
Já tínhamos a ideia de uma startup, um negócio de alto crescimento e de alto impacto. Vimos que era preciso ter um produto que pudesse ser escalado, no qual a tecnologia se encaixaria. Foi aí que nos voltamos ao agronegócio, como um problema que a gente tinha dentro de casa. Demorou um pouco para nos perguntarmos: “Nossa, por que não estou fazendo isso para o agro?”

Como vocês escolheram um problema para atacar primeiro?
Foi com base nas dificuldades com a falta de água, e não só em São Paulo – meu irmão ficou sem água na fazenda inteira. Então pensamos: “Por que não trabalhar com isso?”. É um problema global do agro, o da escassez de água, das mudanças climáticas, do aumento da produção. E o Brasil é referência. Então seria muito mais fácil produzir tecnologia e virar referência mundial no agro do que em qualquer outra área. Entendemos o problema da minha família, da região e dos nossos produtores, e desenvolvemos a primeira versão da Agrosmart. Levou uns seis meses.

O produtor às vezes não sabe 

o que fazer com os dados

que as agtechs coletam

 

Quem financiava o investimento?
Nós mesmos. Sempre fomos da cultura maker. Fazíamos tudo, e a universidade dava muito apoio para fazer protótipo e pôr as coisas para acontecer – é uma universidade de engenharia e empreendedorismo. Na segunda e terceira versões, tivemos apoio do Sebrae para fazer os protótipos e validamos com os produtores quais eram os problemas e como poderíamos resolvê-los.

O que vocês criaram?
No campo não tem internet. Então, o primeiro problema foi como colocar sensores ali, independente de internet e do sinal de celular. Desenvolvemos uma rede de radiofrequência que fazia a comunicação entre os sensores. Num único ponto, em que era necessário o sinal de celular, a rede se comunicava com o sistema. Coletamos os dados e fomos testar numa propriedade. A gente sabia que precisava de informação para a tomada de decisão, e o feedback que tivemos foi: “Não serve, eu não sei para que servem os dados, não consigo olhar e tomar uma decisão”. Eram dados de estação meteorológica, de umidade do solo, e aquilo não significava nada para o produtor. Precisava de alguém que traduzisse para ele usar. Começamos a perceber que isso ainda é a realidade hoje: grande parte das agtechs está gerando dados, e o produtor não sabe o que fazer com o dado. Eu tenho que usar esse dado e transformar em informação.

E como vocês fizeram isso?
Como estávamos na crise hídrica, a gente pensou que a primeira informação a dar seria o momento de irrigar e a quantidade de água ideal para o produtor sobreviver à crise e continuar produzindo. Então, o modelo de irrigação foi o primeiro negócio da Agrosmart. Com este modelo, tivemos muito impacto em campo, com economia de energia e de água. Começamos a multiplicar os pilotos em várias regiões e para várias culturas. E foi aí que eu ganhei a bolsa da Singularity University.

Como foi essa experiência?
A Singularity é a universidade da NASA e do Google, onde tive uma imersão profunda em tecnologia. Foi a oportunidade de estar em contato com o que havia de mais inovador no Vale do Silício – tecnologia de última geração – e trazer isso para cá.

A bolsa teve a ver com o tema irrigação?
A Singularity tenta juntar tecnologias exponenciais com problemas da humanidade, e a água e a agricultura são problemas atuais. Eles buscavam soluções para a crise hídrica. Rodam um desafio nacional em cada país chamado The Global Impact Challenge – são desafios de soluções globais. Eles definem um problema, abrem uma chamada, fazem bancas. A gente submeteu um projeto, ganhou esse desafio e eu ganhei a bolsa para ir para lá.

O que é mais importante para o produtor rural, em tudo o que vocês fazem?
A primeira coisa é ter e organizar os dados [gerados pela atividade].  Os produtores não têm dados, ou, quando acham que têm, muitas vezes não servem para rodar um algoritmo de inteligência artificial, porque não estão na mesma base, não falam da mesma coisa ou não estão na mesma escala de tempo. O produtor às vezes não vê que não basta ter dados anotados – se não for possível comparar um dado com outro, não serve para nada. É preciso ter dados organizados, para que se consiga construir um algoritmo em cima deles.

Como essa informação que vocês produzem chega aos produtores?
Num aplicativo. Pode ser no celular, no desktop, no tablet… Como monitoramos a chuva em tempo real – e ela é um dos fatores que mais afetam o produtor; tudo o que ele vai fazer depende da chuva —, eles acessam muito. Acordam de manhã e já acessam para ver se está chovendo, ou se choveu de madrugada, para saber o que vão fazer.

A Agrosmart produz tecnologias para grandes empresas. Seu irmão, que produz hortaliças orgânicas, ou alguém sem tantos recursos, também podem ter acesso a esse tipo de informação?
Sim, e estamos evoluindo. O produtor médio e o grande, acima de 200 hectares, nos acessam diretamente. Para o produtor abaixo disso, é mais difícil financeiramente por causa do hardware. O sensor é caro, e não somos nós que o fabricamos. Não tem como influenciar no preço. Recomendamos que esses produtores se agrupem, assim como fizeram no caso da Coca-Cola. Os fornecedores da empresa são pequenos produtores, donos de 1 ou 2 hectares de frutas (usadas para suco e polpa). A Coca subsidia o uso [dos sensores]. Então uma das minhas estratégias para chegar ao pequeno é usando o grande, seja uma corporação, seja uma cooperativa. Ou falamos para o produtor: “Junta cinco vizinhos e vamos compartilhar o sistema”.

A próxima fronteira agrícola

é a África. Ela é tropical

e vai bombar

 

A agricultura mais tecnológica pode ser também sustentável?
Acho bom ter uma aproximação do meio ambiente e da agricultura. Existe um conceito que eu apoio, da agricultura regenerativa – de que a natureza em si é poderosa e comanda o ciclo, como na integração lavoura-pecuária-floresta. Então, por que não ter ecossistemas inteligentes agro, e não só o modelo tradicional de plantar? No Brasil, tem muita gente levantando essa bandeira. Ao mesmo tempo, nós temos muito o que melhorar em sustentabilidade.

Com todas essas inovações, você acredita que o Brasil pode estar à beira de um novo salto de produtividade, como teve no século passado?
Acredito. Somos o segundo maior mercado de agricultura digital depois dos Estados Unidos. Todas as multinacionais dos Estados Unidos, todas as grandes agtechs estão investindo no campo no Brasil para fazer força de vendas. Mas nós temos uma estrutura e uma complexidade de clima tropical, que eles chegam aqui sem conhecer. A próxima fronteira agrícola é a África – a África vai bombar. É tropical como o Brasil, com uma grande variedade de microclimas e uma enorme savana, semelhante ao nosso cerrado. Então, nós somos muito mais preparados para lidar com o produtor africano do que empresas dos Estados Unidos. Esta é a nossa aposta.

Nossa estratégia é ser internacionais,

porque não existe agro

sem ser global

 

O que falta para que a tecnologia agropecuária brasileira ganhe mercados no mundo?
Nós temos já o respeito do agro mundial, mas falta o respeito pela nossa tecnologia porque faltam cases que mostrem para o mundo que o Brasil produz inovação agrícola. Israel conseguiu esse respeito e nem tem tantos hectares plantados. Mas os israelenses se juntaram e, em vez de ficar empresa versus empresa, eles dizem: “Nós somos Israel, exportamos tecnologia agro e somos bons nisso porque nosso background militar é muito forte”. Beleza, eu sou Brasil e exporto tecnologia agro porque sou o maior produtor de agro.

A Agrosmart começou muito cedo a buscar mercados fora do Brasil. Por que internacionalizar é tão importante?
É parte da nossa estratégia, porque não existe agro sem ser global. Quando começamos a vender contas maiores, os clientes falavam: “Eu não vou comprar de você aqui se não me atender lá fora; quero um fornecedor, não quero vários”. Então topamos o desafio. Hoje estamos em nove países: Israel, Estados Unidos, Peru, Colômbia, Guatemala, Costa Rica, México, Argentina e Chile.

Como vocês entraram em países como os EUA, que tem uma tecnologia agrícola avançada?
Nosso approach para fora tem sido com parceiros. Então, nos Estados Unidos temos projetos com a Indigo e com a Corteva. Em Israel, com a NaanDanJain, nossa parceira que faz irrigação gotejamento e que está nos levando para 80 países. Nos outros países da América Latina, temos projetos diretos com produtores e com a NaanDanJain, principalmente.

Você imaginava que teria um dia essa presença internacional?
Não, eu nem sabia que ia sair de Itajubá.

Esta entrevista foi publicada nas páginas 26 a 29 da edição n° 39 da Revista PIB, de dez-2019/jan-2020.

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