ARQUITETURA E DESIGN
Na capital dos móveis
A Etel, marca brasileira de mobiliário com assinatura, aprofunda sua internacionalização com abertura de loja própria em Milão
Armando Mendes Publicado em 22 de julho de 2018, 21:44:25Milão está para o design de móveis como Paris para a moda ou o Vale do Silício para o mundo digital: é o lugar onde nascem as vanguardas e se firmam os nomes e marcas de influência global. A Etel — marca fundada há 30 anos em São Paulo pela designer Etel Carmona — abriu na metrópole do norte da Itália, em novembro, sua primeira galeria própria fora do país, na qual oferece móveis assinados por criadores brasileiros contemporâneos* e reedições de peças desenhadas por nomes históricos, como Oscar Niemeyer, Jorge Zalszupin, Lina Bo Bardi e Sergio Rodrigues, entre outros. Com cerca de 100 funcionários, a Etel tem uma fábrica em Valinhos, no interior de São Paulo.
A coleção Etel de móveis brasileiros já era distribuída no mercado mundial por meio de representantes em 14 cidades de 11 países da Europa, América do Norte e Ásia — hoje, cerca de 20% das vendas da marca são feitas no exterior, uma parcela que Lissa Carmona, a diretora-geral e curadora da Etel, espera duplicar nos próximos cinco anos. “A Etel Milano é um ponto estratégico nosso”, ela diz. “Representa a maturidade desse processo.”
A loja italiana é um passo adiante no modelo de internacionalização da marca. Ao contrário das representações e parcerias internacionais hoje em vigor, será uma operação própria inteiramente controlada pela matriz brasileira. A nova loja atenderá não só o importante mercado europeu: a Etel espera, também, a partir dela, alcançar com mais presteza mercados asiáticos e orientais, como a China, o Japão, a Coreia do Sul e Dubai, nos Emirados Árabes.
Além de crescerem aceleradamente, esses países e cidades começam a descobrir o design brasileiro de móveis, o que lhes empresta boas perspectivas comerciais. Dois novos endereços próprios estão nos planos para os próximos cinco anos — Londres poderia estar entre os novos destinos em estudo, diz Lissa. Enquanto isso, a Etel Milano busca marcar seu território no exigente mercado italiano, combinando a tradição local com traços de modernidade do design brasileiro.
A galeria de móveis do Brasil está plantada na Via Pietro Maroncelli, uma rua estreita na região central de Porta Nuova. O prédio da Etel, de arquitetura milanesa tradicional, mas interior brasileiro moderno, divide a rua com galerias de arte e ateliês de design nas proximidades de um recente ícone arquitetônico de Milão: a nova sede da Fondazione Feltrinelli — a importante editora italiana — desenhada pelos arquitetos suíços Herzog & de Meuron.
Lissa Carmona falou à PIB sobre a visão de futuro e a trajetória de internacionalização da Etel, que teve a largada com a participação da marca, em 1994, na grande feira de mobiliário contemporâneo de Nova York, nos Estados Unidos — a International Contemporary Furniture Fair (ICFF). A seguir, trechos da entrevista:
O que faz a diferença no móvel brasileiro para os estrangeiros
LISSA CARMONA: Primeiro tem a madeira diferente, que causa admiração e até paixão. É uma madeira que, de fato, tem vida. Além disso, há o design brasileiro, refinado e muito particular, bastante europeu — começou nos anos 30, final dos 20, com [Gregori] Warchavchik, que veio da Rússia, Zalszupin, que era polonês, [Joaquim] Tenreiro, português. Quando chegamos aos Estados Unidos, em 1994, tínhamos algo que eles não tinham. Lá, ou você era uma empresa grande industrial, como as americanas e as italianas, com catálogos de muitas peças, ou você era o designer que fazia sua própria peça, duas ou três por ano. Nós estávamos no meio do caminho – nem empresa industrial, de milhares de peças, nem artesão que produzia um exemplar. Fazíamos tudo à mão, com qualidade excepcional, e produzíamos às centenas, num nicho muito particular.
A descoberta de um filão a ser explorado
Percebemos, ali, uma oportunidade incrível: na volta para casa, vimos que madeiras trabalhar, que peças fazer… Voltamos à feira em 1996 e 1998 e começamos a ter clientes esporádicos. Uma das nossas peças — uma papeleira da Claudia Moreira Salles — foi capa do The New York Times. Estamos falando de 1994, e até hoje essas peças estão em Nova York — em perfeito estado, maravilhosas e atemporais.
O mercado a ser disputado em Milão
Não é um mercado por preço. Competimos com os grandes nomes, as marcas italianas e europeias, no mercado do móvel colecionável, de autor, e no mobiliário que eles chamam de vintage, de peças únicas e antigas. Hoje, a Etel é tida como a maior coleção de design brasileiro do mundo. Temos debaixo do nosso guarda-chuva quase cem anos de história, de autores e de peças. Desde 1928, com Warchavchik, até 2017, com os jovens designers que desenham para nós, todos os grandes nomes estão aqui dentro. Temos uma abrangência e diversidade que mostram o tamanho e a importância do design brasileiro.
As diferenças entre clientes americanos e europeus…
O alemão e o japonês são apaixonados pela madeira como ela é, não interessa se loira, clara, vermelha, marrom… Quanto mais veios, melhor; quanto mais natural, mais bonita. O alemão é muito crítico, ele pergunta: De onde vem essa madeira? Quanto tempo demorou para crescer? Qual a densidade? Nos Estados Unidos não se pergunta isso; madeira vermelha não funciona lá, o cedro é difícil. O americano é mais consumista, mais parecido com o brasileiro. Ele tem preferências estéticas, mais do que conceituais. Um alemão pode até não gostar tanto da madeira vermelha, mas vai passar a amar aquele cedro se souber da história dele. Os valores são diferentes. O mindset é outro.
…e a importância do Japão para um criador de móveis
O Japão é um país que tem a arquitetura e a madeira quase como referência. Conseguimos entrar lá. Tem muitos negócios? Diria que não, muito menos do que Cingapura. Mas é icônico — ir para o Japão é quase o mesmo passo de estar na Itália. O Japão tem a mentalidade do netsuke — as coisas menores são mais valiosas. Eles têm reverência pela madeira — quanto mais rachada, quanto maior a marca do tempo, mais bonita. Sempre observamos nossos mercados, e aprendemos muito com o Japão: o relacionamento com a natureza e com a madeira, a ação do tempo, a perenidade — é tudo muito diferente.
Lissa Carmona: na Europa e mais perto da Ásia Filippo Bamberghi
Milão como base para mercados do outro lado do mundo…
A gente está caminhando para o Oriente. Milão é o centro da Europa e a metade do caminho para a China e o Japão — montar essa estrutura lá vai apoiar nossa trajetória de internacionalização e atender com mais propriedade esses mercados. Tenho clientes na China. Para os hotéis Four Seasons e o Ritz-Carlton de Xangai, nas Residences, muita coisa foi daqui. Com Milão, o plano é ter mais estabilidade e frequência nessas relações. Precisamos entender quem são os arquitetos que atendem a China, ocidentais na maior parte. Em Cingapura, que tem a pujança da China, fechamos parceria com uma agente a partir do ano que vem. Uma série de escritórios estão em Cingapura para dar conta dos grandes prédios. Nossa agente vai sentar — mesa com o contractor e nos representar como empresa de mobiliário brasileiro. O Brasil é longe para ele. Em Milão, uma vez por ano — ou em algum momento na história desse escritório —, ele vai passar pela feira de design, a maior do mundo, que leva centenas de milhares de pessoas para lá.
…e entreposto para trocas tecnológicas
Estar em Milão faz parte do crescimento para fora, e é estratégico; enquanto fabricantes, temos de estar perto do que há de ponta no mundo. E a Itália, nesse sentido do trabalho feito à mão, da excelência e da qualidade — eles são os melhores do mundo. Estar lá possibilita trocas, intercâmbio de tecnologias. A Italia é aberta. Fomos muito bem recebidos, e os italianos também têm interesse na madeira brasileira, têm designers que querem desenhar aqui… Tudo isso abre outra porta muito importante.
O design brasileiro é pouco conhecido na Itália
Somos a primeira empresa brasileira da área a fincar bandeira definitiva na capital do design. Os italianos conhecem pouco do design brasileiro. Por algum motivo, esse laço entre Brasil e Itália ficou fraco. Estamos trabalhando lá há algum tempo. Duas marcas italianas fizeram exposições sobre o design brasileiro com muito sucesso — mobiliário vintage, de colecionador. A reação dos italianos é um pouco de surpresa: eles sabem que veio uma grande colônia italiana para cá, que a língua, mesmo diversa, tem familiaridade — então, como pode ser que, de um lugar com tanta proximidade, não saibam quase nada?
O design como chave para descortinar uma cultura
A Etel Milano é muito mais do que uma loja ou uma galeria de design. Trabalhamos com a embaixada e as representações brasileiras para levar nossa história toda para lá de forma mais completa. Vamos falar de design, de arquitetura — que não dá para dissociar —, do modernismo, da arte… Todo mês teremos debates, exposições, encontros, porque essa história do Brasil anda toda junto. É uma descoberta não só do mobiliário esplendoroso do Tenreiro ou do Sergio Rodrigues — ou ainda da Lina Bo Bardi, que é italiana —, mas também da arquitetura da Casa de Vidro, da história particular do Zalszupin, que fez muito do mobiliário de Brasília, do Niemeyer na sua plenitude, com Athos Bulcão, com Paulo Werneck, que fez o teto da Pampulha e trabalhou com Niemeyer nos prédios modernistas do Rio de Janeiro… É a cultura indo como um todo.
* A marca distribui obras de Etel Carmona, Claudia Moreira Salles, Lia Siqueira, Arthur Casas, Isay Weinfeld, Carlos Motta, Dado Castello Branco, Domingos Pascalli e Sarkis Semerdjian, Marcelo Alvarenga e Susana Bastos.
Esta matéria foi publicada nas páginas 18 a 21 do número 38 da Revista PIB, de nov/dez 2017/ jan 2018, com o título “Na capital do design”.
Veja também