INTERNACIONALIZAÇÃO

Intelie, Neoway, AMMA: as aprendizes de multinacional

Startups brasileiras buscam a consultoria acadêmica do MIT para desenvolver estratégia global e conhecer melhor os mercados internacionais

Suzana Camargo
Publicado em 17 de outubro de 2018, 10:23:18

Badaró, da AMMA: time do MIT ajudou a entender o mercado de chocolates orgânicos nos EUA Divulgação AMMA

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Esta reportagem é composta de três partes. Leia os demais textos nos links abaixo:

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Cinco empresas brasileiras, a maior parte de tecnologia, foram selecionadas para participar da edição 2015/16 do G-Lab da Sloan MIT. A seguir, as histórias das três startups desse grupo ouvidas pela Revista PIB: a Intelie, a Neoway e a AMMA.

 

:: Intelie

Assim como a Neoway e boa parte das companhias de tecnologia do mundo — só para lembrar, o Facebook foi criado nos dormitórios da Universidade Harvard —, a Intelie também surgiu na academia, a partir de uma tese de mestrado na área de computação.

“Estava fazendo um trabalho em que utilizava técnicas de inteligência artificial e senti falta de ferramentas analíticas que me ajudassem a tomar uma decisão em tempo real”, conta Ricardo Clemente, um dos fundadores da empresa.

A partir dessa necessidade, o engenheiro eletrônico criou o protótipo da ferramenta IEM (Intelie Event Manager), que monitora para os clientes a infraestrutura e o desempenho de seus serviços de tecnologia da informação.

Foi para transformar o software num negócio que, em 2008, o então estudante de mestrado em Ciência da Computação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) convidou três colegas — Hubert Fonseca, Jorge Falcão e Pedro Teixeira — para fundarem a Intelie.

Hoje, a ferramenta criada há oito anos chama-se Intelie Live e fornece aos clientes indicadores em tempo real de seus processos — por exemplo, para uma operação de comércio eletrônico, ela monitora o volume de recursos captado, as transações por minuto, o tempo de resposta do site, os pedidos entregues no prazo e as falhas durante o processo de comercialização de produtos e serviços.

Desde cedo, os quatro sócios perceberam o potencial inovador da plataforma e a importância da exposição internacional. Já apresentaram cases da Intelie em Cambridge, na Inglaterra, em 2010, e na Surge Conference, em Baltimore, nos Estados Unidos, no ano seguinte.

Time da Intelie: oportunidade para pensar na estratégia   Divulgação Intelie

“Quando fomos finalistas de uma competição na Alemanha, ao lado de 50 concorrentes mundiais, olhamos para o lado e percebemos que nossa tecnologia não deixava nada a desejar diante de empresas internacionais do setor”, lembra Clemente. “Estávamos jogando de igual para igual, mas sempre acreditamos que precisávamos ser competitivos globalmente para não morrer a longo prazo.”

A Intelie procurou a parceria com a Sloan MIT para planejar a expansão internacional; em especial, para entrar no mercado de extração de óleo e gás dos Estados Unidos. Antes de completar uma década, a startup carioca tem no currículo cases de sucesso com empresas como a Globo.com e a multinacional Walmart, além de Vale, Petrobras, Magazine Luiza e SulAmérica.

Partir para o mercado global sempre foi um projeto a ser pensado com cautela, pelos investimentos que exige e pelos riscos envolvidos, diz Clemente. “Este ano, decidimos ir em frente.” O projeto tomou a forma de um escritório a ser aberto em Houston, no Texas — um local estratégico para o setor de energia.

Estão lá alguns gigantes do mundo, como ExxonMobil, Shell, ConocoPhillips, Baker Hughes, entre outros. A perspectiva surgiu depois da conquista de uma conta da Petrobras. Para atender a estatal, a Intelie desenvolveu softwares de análise de dados exclusivos para o setor de óleo e gás, que tornaram possível diminuir prazos e custos na perfuração de poços.

Clemente: parceria com a Sloan MIT para planejar expansão internacional   Divulgação Intelie

Segundo Ricardo Clemente, o novo escritório deve ser inaugurado em maio e exigiu investimento de 500 mil reais, o que representa quase 10% do faturamento da empresa no ano passado.

A startup de TI já atua no exterior, em pequenos contratos com empresas situadas em Macau, na Indonésia e nos Estados Unidos. Foi para iniciar uma operação mais robusta e madura, no coração da indústria de óleo e gás dos EUA, que a companhia brasileira pediu a ajuda dos estudantes do MIT.

Quanto aos resultados concretos da consultoria, a Intelie prefere manter reserva, explicando que passaram a fazer parte do plano estratégico da empresa. De toda forma, estar vinculada a um programa de uma das maiores instituições de saber do mundo traz credibilidade e visibilidade para a empresa — algo muito necessário para uma startup que tem por meta levar as operações internacionais a representar 50% de sua receita nos próximos três anos.

Para chegar a esse resultado ambicioso, além da consultoria do time da Sloan MIT, a Intelie fechou parceria com uma empresa desenvolvedora de negócios de Boston, de olho em outro segmento do mercado americano: o de varejo e seguros. “Temos planos agressivos para os Estados Unidos”, conclui Clemente.

 

:: Neoway

Sediada em Florianópolis, com escritórios comerciais em São Paulo e Porto Alegre e um centro para pesquisa e desenvolvimento instalado em Palo Alto, na Califórnia, a Neoway nasceu no meio acadêmico.

Era 2002, e o engenheiro eletricista Jaime de Paula, fundador e CEO da empresa, desenvolvia tese de doutorado sobre a integração de diferentes bases de dados numa única plataforma. Paula criou para a Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina um software que identificava padrões entre ocorrências policiais e ajudava a encontrar criminosos.

O case chegou ao conhecimento da Polícia de Nova York, que o convidou a falar sobre ele. Nos Estados Unidos, Paula conheceu o conceito big data — tecnologias que permitem a análise de um volume imenso de dados com velocidade espantosa.

Paula decidiu concentrar os esforços da Neoway no big data, então uma novidade, e combiná-lo com a ferramenta do georreferenciamento: ou seja, criar um sistema que, além de fornecer informações estratégicas, fizesse um cruzamento de dados e alternativas de ação com base na localização geográfica dos clientes, mapeada a partir de satélites em órbita da Terra.

Jaime de Paula, da Neoway: big data e três projetos com o MIT   Divulgação Neoway

Hoje, a empresa catarinense trabalha com mais de 3 mil bancos de dados de 600 fontes e utiliza, aproximadamente, 300 milhões de endereços. Há dois anos, recebeu o aporte de três grandes fundos de investimentos.

Por trás do dinheiro, dois executivos de peso no mercado brasileiro: Mauro Muratório Not e Emilio Umeoka, ex-presidentes da Microsoft no país (Not fez parte do conselho da B2W, dona dos sites Americanas.com e Submarino).

Paula tomou conhecimento do G-Lab em 2013, quando participou de programa da Endeavor, organização que promove o empreendedorismo inovador em mais de 20 países. Desde então, a empresa de Florianópolis teve três projetos selecionados pelo MIT.

Em 2013, os estudantes ajudaram a companhia a formatar sua área de relacionamento com os clientes; em 2014, mapearam pontos fortes e fracos da empresa a partir de entrevistas com esses clientes, participando do desenvolvimento de interfaces mais simples e confiáveis; no projeto mais recente, a equipe da Sloan MIT auxiliou na definição de estratégias de precificação dos dados a ser fornecidos aos usuários.

Os quatro integrantes da equipe 2015/16 da Neoway são Ankita Kaul, Catalina Araya Cohen, Jay Sherman e Michele Minetti, estudantes do segundo ano do MBA (todos os participantes do programa cursam o segundo ano).

“Eles se aprofundam no benchmarking internacional, ou seja, nas melhores práticas dos Estados Unidos, da Europa e do próprio Brasil”, explica Paula. “Além disso, estudam a situação local da empresa para sugerir áreas a ser trabalhadas dentro de cada projeto.”

Minetti e Sherman (esq.), Araya e Kaul (dir.); integrados com os brasileiros   Divulgação Neoway

Para Jay Sherman, a experiência de trabalhar abaixo da linha do Equador foi reveladora em mais de um aspecto. “A Neoway permitiu que tivéssemos um impacto na organização, ao nos dar responsabilidades, acesso e confiança”, ele explica.

“Mais importante, ainda, eles foram muito além de sua responsabilidade profissional e fizeram com que nos sentíssemos em casa; parecia que todos que encontrávamos queriam nos mostrar o que curtiam no Brasil.”

A equipe do MIT, segundo Sherman, teve recompensas muito além do desenvolvimento de sua expertise em precificação de dados. “Também descobri que os brasileiros trabalham duro e são calorosos e sensíveis”, diz ele.

“Minha experiência no Brasil me proporcionou uma compreensão melhor de como trazer mais calor às relações profissionais, o que torna o trabalho mais recompensador.”

A Neoway tem, hoje, mais de 350 clientes em setores como finanças, telecomunicações, construção civil, automotivo e varejo. Alguns destes clientes brasileiros atuam na América Latina e pediram que a empresa os atenda lá fora.

O desafio foi aceito, conta Paula. “Estamos com parcerias fechadas no México, Chile, Peru, Colômbia e Argentina, onde devemos começar a atuar em 2016, com a abertura de escritórios comerciais.”

O passo mais ambicioso está previsto para meados de 2017, quando a companhia vai colocar o pé definitivamente nos Estados Unidos, onde já possui alguns clientes. A Neoway pretende começar pelo setor de finanças nos estados da Califórnia e Flórida.

A expectativa de Paula é que, em 2017, as operações internacionais representem de 10% a 15% do faturamento da Neoway; hoje, estes números ficam entre 2% e 5%.

 

:: AMMA

Desde 2012, o cacau gourmet produzido pela AMMA, de Diego Badaró e seus sócios, Luiza Olivetto e Frederick Schilling, é utilizado por renomados mestres chocolateiros internacionais, como o francês François Pralus.

As barras de chocolate orgânico são vendidas em empórios e confeitarias da Inglaterra, França e destinos mais exóticos, como Kuait e Coreia do Sul. Nos últimos quatro anos, a marca brasileira expandiu-se tanto no mercado internacional como no interno.

Possui mais de 700 pontos de venda no Brasil, entre eles, estandes em dois dos shoppings mais sofisticados do Rio de Janeiro. “Pretendemos chegar ao fim de 2016 com 2 mil pontos de venda”, afirma Badaró.

Cacau da Bahia: produção orgânica e sustentável   Divulgação AMMA

No ano passado, o empresário investiu alto para pôr os pés em São Paulo. Inaugurou a Casa do Sabor AMMA, instalada na Vila Modernista, um marco arquitetônico da década de 1930 encravado no exclusivo bairro dos Jardins.

Além de uma loja-conceito, Badaró — descendente de uma linhagem tradicional de produtores de cacau da Bahia — idealizou o local como um centro de debates e exposições sobre o universo do chocolate e a preservação ambiental, tema muito caro a ele.

Toda a produção de suas fazendas e dos fornecedores segue as regras do fair trade, um conjunto de normas internacionais que regulamentam o plantio do cacau de maneira ambientalmente sustentável, promovendo o reflorestamento de áreas de Mata Atlântica nativa, e também exigem um compromisso com a oferta de trabalho digno e bem remunerado para todos os envolvidos na cadeia produtiva.

É com este diferencial que o empresário quer ganhar mais espaço nas prateleiras americanas. Já de saída, chamou a atenção da equipe de seleção da Sloan MIT ao ganhar uma vaga no G-Lab.

“Estivemos lá uma semana para conhecer o MIT e o grupo que trabalharia conosco aqui no Brasil”, conta Luiza. “Havia um interesse grande deles em conhecer uma empresa como a nossa, com caráter conservacionista, que busca a preservação da Mata Atlântica.”

Chocolate da AMMA: apelo conservacionista na Europa e nos EUA   Divulgação AMMA

Segundo Diego, um dos principais desafios da fabricante brasileira é definir os preços de seus produtos. Por causa da produção orgânica, mais cara, os chocolates que fazem podem custar, no Brasil, duas vezes mais do que um tablete tradicional.

A equipe do MIT ajudou a empresa a planejar sua oferta nos Estados Unidos, dando aos sócios da AMMA instrumentos para avaliar melhor as margens que poderão aplicar. Badaró avalia que as informações trazidas pelos estudantes da Sloan MIT foram um ótimo aporte ao conhecimento desse mercado em expansão.

“Tivemos um panorama detalhado do momento atual dos orgânicos nos Estados Unidos”, diz ele. Hoje, os EUA são o terceiro maior importador da AMMA, atrás da Dinamarca e da Suécia. “O segmento de orgânicos aumenta, em média, 15% ao ano, e neste espaço ainda temos muito a crescer”, aposta Badaró.

“Tanto na Escandinávia como no resto da Europa e nos Estados Unidos, este é um nicho muito forte; mas, de todos eles, o mercado americano é certamente o maior”.

Uma versão deste texto foi publicada nas páginas 18 a 27 do número 33 da Revista PIB de abr/mai/jun/2016, como parte final da matéria Aprendizes do MIT.

Correção: esta matéria foi modificada no dia 13/2/2019, para corrigir a foto e a legenda do CEO da empresa Neoway, Jaime de Paula.

Leia a seguir:

De portas abertas

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